O caso Cid Moreira e o que você precisa saber sobre herança

O testamento deixado pelo ex-apresentador Cid Moreira, morto aos 97 anos, trouxe a tona a questão que muitos não querem falar: herança. Especialmente, quando há discórdias sobre a distribuição da herança e o que estava no testamento.

Você já parou para pensar no que acontecerá com os seus bens quando você não estiver mais aqui? Essa é uma questão que, mais cedo ou mais tarde, todos precisamos enfrentar.

Mas falar de herança nem sempre é simples. Afinal, é um tema que envolve emoções, expectativas e, claro, questões legais.

Se você já se perguntou se é possível decidir quem fica com o seu patrimônio ou se é obrigado a deixar algo para seus filhos, então este artigo é para você!

 

A herança e os herdeiros necessários

 

Vamos direto ao ponto: sim, é possível destinar parte da sua herança para quem você quiser. Contudo, existem algumas regras que o nosso Código Civil impõe.

A principal delas é que pelo menos metade dos seus bens precisa ser deixada para os herdeiros necessários. Mas quem são esses herdeiros necessários, afinal?

São aqueles parentes mais próximos que, por lei, têm o direito de receber uma fatia do seu patrimônio. No Brasil, esses herdeiros incluem:

– Filhos

– Netos

– Bisnetos

– Pais

– Avós

– Cônjuge

Essas pessoas têm direito à “legítima”, que é metade de tudo o que você possui. Portanto, mesmo que você faça um testamento, essa metade não pode ser destinada a outra pessoa ou instituição.

 

E se eu quiser beneficiar apenas um filho?

 

A lei brasileira é bastante clara nesse ponto: não é possível destinar todo o patrimônio para apenas um filho, deixando os outros de lado. A herança deve ser dividida entre todos os herdeiros necessários.

Você pode, sim, escolher dar uma parte maior de seus bens a um filho específico por meio de testamento, mas lembre-se que metade de tudo o que você tem será distribuída igualmente entre os herdeiros necessários. Ou seja, você pode ter controle sobre os outros 50%, mas os primeiros 50% são protegidos pela lei.

 

Por exemplo, digamos que você tenha uma casa no valor de R$ 500 mil e dois carros no valor de R$ 100 mil, cada. Você pode deixar a casa ou os carros para quem quiser, desde que isso não comprometa a parte que seus filhos, netos ou cônjuge têm direito, ou seja, 50%.

 

E se eu não quiser deixar nada para os meus filhos?

 

Agora entramos em uma questão um pouco mais delicada. Alguns pais, por diversos motivos, podem desejar excluir seus filhos da herança. Será que isso é possível?

A resposta curta é: sim, mas com muitas ressalvas. Existem dois mecanismos legais para excluir herdeiros: a indignidade e a deserdação.

 

Indignidade: ocorre quando o herdeiro comete um ato considerado gravíssimo contra o autor da herança, como um crime.

Um exemplo bem conhecido é o caso de Suzane Von Richthofen, que participou do assassinato dos pais e foi considerada indigna de receber a herança. Nesse caso, o processo exige provas e, claro, o herdeiro tem o direito de se defender.

Deserdação: pode ser aplicada em situações específicas, como ofensas graves, agressões físicas, desamparo de um ascendente que precisa de ajuda, ou até relações ilícitas com o padrasto ou a madrasta. No entanto, desentendimentos mais leves, como abandono afetivo, não justificam a exclusão de um herdeiro.

 

Como faço para privilegiar um herdeiro específico?

 

Se você quer garantir que uma parte maior dos seus bens vá para uma pessoa específica, a melhor maneira de fazer isso é por meio de um testamento.

O testamento é um documento no qual você pode dispor de até metade do seu patrimônio para quem quiser, seja um filho específico, um amigo, uma instituição de caridade, ou quem mais desejar.

Porém, lembre-se sempre: a outra metade do seu patrimônio, aquela que é a “legítima”, vai obrigatoriamente para os herdeiros necessários, como filhos, netos ou o cônjuge.

Assim, você tem um certo grau de liberdade, mas também há limitações impostas pela lei.

 

Doações em vida: uma alternativa?

 

Outra possibilidade para organizar o seu patrimônio é fazer doações em vida. Sim, isso é permitido pela lei, mas com algumas condições. Você pode doar até metade do seu patrimônio ainda em vida, e isso será considerado um adiantamento da herança.

Contudo, é fundamental que essas doações não comprometam a sua subsistência. Ou seja, você precisa garantir que terá condições financeiras de viver bem após fazer essas doações.

Um ponto importante: as doações feitas em vida são abatidas da parte que seria recebida na herança, e isso pode gerar questionamentos. Caso algum herdeiro se sinta prejudicado, ele poderá contestar a doação na justiça. Portanto, é essencial que tudo seja feito com transparência e conforme a lei.

 

Pressões de herdeiros: isso é legal?

 

Muitos pais enfrentam uma situação difícil: filhos que pressionam para receber parte da herança ainda em vida. Essa prática pode ser considerada abusiva, especialmente quando envolve idosos vulneráveis.

O Direito brasileiro não permite o que é chamado de pacta corvina, ou seja, acordos sobre a herança de pessoas vivas. Caso os pais queiram, podem fazer doações, mas elas devem ser feitas de livre vontade e dentro dos limites legais. Caso contrário, podem ser consideradas nulas.

 

Testamento: uma medida organizada

 

Independentemente do tamanho do seu patrimônio, o testamento é uma ferramenta valiosa para organizar a divisão dos seus bens. Além de evitar conflitos futuros, ele permite que você expresse suas vontades de forma clara e definitiva.

Você pode, por exemplo, deixar uma parte do seu patrimônio para instituições de caridade ou designar bens específicos para pessoas queridas, como móveis, joias ou objetos pessoais.

Se o seu patrimônio for mais modesto e você não quiser fazer um testamento completo, há ainda o codicilo, um documento mais simples no qual você pode deixar disposições sobre objetos de menor valor ou instruções sobre seu funeral.

 

Um exemplo de deserdação

 

Um exemplo nacional recente dessa questão, é o caso do jornalista e apresentador do Jornal Nacional, Cid Moreira, que faleceu no último dia 03 de outubro e deixou todo o seu patrimônio para a esposa, deixando fora do testamento os dois filhos.

Pelo testamento Cid Moreira justifica a deserdação, por conta de um processo movido pelo filho, Rodrigo Moreira, alegando alienação parental, o qual foi vencido na justiça, e pelas acusações que alegou caluniosas, do filho adotivo, Roger Naumtchyk, de abuso sexual.

Essas seriam duas situações, de acordo com a legislação brasileira em que a pessoa pode retirar herdeiros do seu testamento, pela deserdação. Mas os filhos contestam a validade do documento e prometem pedir a anulação do testamento.

 

E se eu não tiver herdeiros necessários?

 

Se você não tem filhos, pais ou cônjuge, as regras de herança mudam. Nesse caso, você pode dispor de todo o seu patrimônio como quiser, seja por meio de um testamento ou por doações. Sem herdeiros necessários, a lei não impõe restrições sobre quem pode ser beneficiado.

Você pode, por exemplo, deixar seus bens para amigos, outros familiares, ou instituições de caridade. Nesse caso, o testamento é uma ferramenta ainda mais importante, pois, sem ele, a herança poderia acabar nas mãos de parentes distantes ou até ser revertida para o Estado.

A decisão sobre o que fazer com o seu patrimônio é profundamente pessoal. Não existe uma resposta certa ou errada, apenas a que faz mais sentido para você e para a sua família. O mais importante é entender as regras estabelecidas pela legislação e agir de acordo com seus valores e desejos.

Lembre-se: conversar com seus herdeiros sobre suas intenções pode evitar conflitos e mal-entendidos futuros.

Além disso, preparar um testamento é uma medida sensata para garantir que suas vontades sejam respeitadas e que a divisão do seu patrimônio seja feita de forma justa e transparente.

Por fim, seja qual for a sua escolha, é sempre uma boa ideia consultar um advogado especializado em Direito de Família e Sucessões para garantir que tudo esteja em conformidade com a lei.

Afinal, quando o assunto é herança, o mais importante é planejar com clareza e responsabilidade.

 

Dra.: Josânia Pretto